quinta-feira, 28 de julho de 2011

Ando escrevendo - Segunda Parte


O telefone tocou na velha recepção e Ítalo se apressou em ir atendê-lo. Era sua mãe fazendo mais uma ligação de rotina.
  • Oi filho, como tá o movimento aí hoje?
  • Ah mãe... como se você não soubesse, nada acontece nessa merda de hotel!
  • filho não fale assim, você sabe como seu pai esta empenhado em fazer isso dar certo
  • Saber, eu sei... mas ele é quem deveria saber que este hotel era, foi e continuará sendo uma utopia para a nossa família
  • tá bom filho, eu sei que você deve estar achando um tédio ficar trabalhando em época de férias, mas hoje é dia 1º de julho e quem sabe os negócios não melhoram a partir de agora?
  • é... quem sabe


Ítalo sabia que iriam melhorar e ele gostava quando o movimento no hotel aumentava,mesmo sendo suas férias, ele se sentia útil e sabia que o seu trabalho seria de alguma forma recompensado, já que os hóspedes, na sua maioria, amigos da família deixavam generosas gorjetas.

  • Falando em negócios, um amigo do seu pai que mora em Consolação vai chegar aí hoje, ele veio comprar umas terras na cidade e deu preferencia ao nosso hotel, talvez ele ligue para confirmar a “reserva” trate-o bem! Ah... antes que eu me esqueça, lembre de fechar a porta da lavanderia quando sair. Da ultima vez que fui aí percebi que algum animal tinha entrado lá e roído a fiação das máquinas...
  • Estranho... nunca deixei aquela porta aberta,mas tudo bem... é até bom que assim eu tenho o que fazer
  • então tá... mais tarde vou aí levar o seu jantar
  • ah! não precisa, eu comprei o que estava faltando aqui e, aliás, nem estou com fome
  • está bem, não vou me prolongar... Beijo filho, se cuida
  • tá ok, vou tentar!

Sem o barulho do telefone,agora, tudo estava naquela tranquilidade irritante que Ítalo odiava. A única coisa a se fazer era ligar o velho toca-fitas, da época do seu avó, no sistema de auto falantes do hotel e por pra tocar aquela fitinha do Led-Zeppelin que sempre ouvia quando estava sozinho e sem seus pais por perto, já que, junto com o Led-Zeppelin sempre vinha algo mais...
Ítalo era um garoto de 17 anos, um pouco acima do peso, de estatura mediana, rosto fino e um cabelo preto e liso que sempre deixava caído sobre os olhos. Meio desengonçado não chamava muito a atenção das garotas, mas tinha muitos amigos. Era aquele cara que sempre estava bem e disposto a fazer todos se divertirem, com ele não tinha tempo ruim, mas o que poucos sabiam é que Ítalo achava tudo isso um saco. Ele gostava muito dos seus amigos, mas preferia a solidão, gostava muito de fazer os outros sorrirem, mas se dava melhor com a melancolia que, de certa forma, o ajudava pois em seus momentos de ócio criativo sempre pegava o seu velho violão e compunha as mais tristes e belas melodias, sentado à frente do Hotel logo abaixo do letreiro luminoso que há muito tempo não se ascendia. 


Há alguns quilômetros dali na estrada que liga Redenção a uma cidade vizinha, chamada Consolação, Alfredo – um negociador de terras - dirigia uma pick-up D10, antiga, de cor marrom, sem saber direito como chegar ao velho Hotel Itália. Num dado momento da viagem ele parou o carro e olhou através do espelho retrovisor, ninguém, nada, nenhuma alma viva por perto, desceu da caminhonete e observou tudo o que sua vista alcançava, com aquela calma comum à pessoas que passam toda sua vida no interior, sabia que aquelas terras um dia já haviam sido da sua família, mas que, a muito tempo foram roubadas e vendidas para a família Santino.
Seu pai ,o velho Nestor Fernandes, não havia engolido até os dias de hoje a forma como aquelas terras, que incluíam as redondezas do Hotel da família Santino, foram “tiradas” dele. Seu Nestor era um homem ganancioso e inescrupuloso, na época da venda das suas terras comprou uma briga infernal com grileiros das redondezas e quase foi morto em uma emboscada próxima a cidade de Consolação. Seu filho único ,Alfredo Fernandes, Tinha mais ou menos 45 anos -Talvez sua aparência fosse de um homem mais velho – barbudo, de jeito caipira, dono de uma inteligencia e sabedoria que não se via em qualquer pessoa do interior. As brigas do sr Nestor só não foram adiante com os Santino pelo bom senso de Alfredo que ,além de tudo, era um grande amigo de Carlo Santino.

Mais alguns quilômetros adiante, Alfredo avistou um telefone público bem em frente a uma escola, que parecia estar abandonada, andou alguns metrôs de onde tinha deixado o carro e foi em direção ao orelhão que estava envolto por muito mato. Tirando o telefone do gancho,notou que ainda estava funcionando.
  • que sorte! – pensou.

Sorte esta que não adiantou pra muita coisa já que ninguém atendia a ligação do outro lado.

  • Puta merda!, a essa hora vão pensar que eu não irei mais ao Hotel – Alfredo pensou um pouco e decidiu arriscar, já que estava anoitecendo era bom se apressar em chegar a Redenção, uma vez na cidade decidiria se ia continuar a viagem de mais 3 quilômetros até a entrada do Hotel Itália ou se acomodaria em alguma pousada do centro.

Longe dali Ítalo terminava de remendar o ultimo fio da máquina de lavar que,segundo sua mãe, foi roído por algum animal do mato. A esta altura já havia anoitecido e ele perdido completamente a noção do horário, só foi se ligar quando notou que a sua fita do Led-Zeppelin já havia dado umas três voltas no aparelho de som (é... o som do Hotel era auto reverse).

  • Cacete, o amigo do meu pai já deve ter ligado, vou levar outro esporro do velho! e a essa altura esse cara nem vem mais!

Ítalo se esforçava bastante para cuidar de tudo, na ausência do seu pai, já que Carlo cuidava somente da parte administrativa. Nem sempre o sr Carlo Santino era justo com o seu filho e as broncas eram constantes. Ítalo nem se lembrava da ultima vez que o seu pai tivesse lhe dado um abraço ou uma palavra de incentivo, mas eram incontáveis as reclamações e brigas entre os dois.

Numa corrida rápida da lavanderia até a recepção, Ítalo se apressa em tirar um pouco da poeira acumulada sobre os móveis enquanto ouve o noticiário no rádio:

  • atenção: acaba chegar até a nossa redação a informação de que o grupo de bandidos que assaltou uma agência bancária em Santa Brígida,ontem a noite, seguiu em fuga para a cidade de Redenção, pela antiga rodovia Federal numa velha pic-up.  Populares afirmam que os delinquentes não conseguirão ir a lugar algum seguindo esta velha estrada,já que em muitos trechos a rodovia está intrafegável...”

Como num pesadelo, Ítalo, estacou no momento em que limpava a escrivaninha. Ficou ali paralisado até encontrar forças para sair. Ele sabia que,mais cedo ou mais tarde, aqueles assaltantes iriam passar pelo hotel e consequentemente mete-lo em uma enrascada tremenda. Ítalo se apressou em desligar o rádio e buscar aquela velha espingarda cartucheira que o seu pai guardava embaixo da cama no quarto 122. Sem ter muito tempo para pensar, Ítalo novamente paralisou ao sair da recepção em direção aos quartos que ficavam num corredor aberto ao redor de um estacionamento - como qualquer hotel de beira de estrada -. Sentindo um calafrio tremendo e com as pernas bambas ele não acreditava no que via vindo em sua direção. Parado e apavorado, respirou fundo e falou consigo mesmo.

  • Estou perdido... estes caras não perdoam ninguém. E se eu disser que não há nada a ser roubado, talvez pensem que estou de brincadeira!

Mas já era tarde de mais, o farol que fez Ítalo parar se aproximou da cancela de entrada e só se apagou quando o carro encostou na recepção após dar três buzinadas.

  • Seja forte, talvez eles não te matem – Ítalo se encorajava.

Foi então que num acesso de medo, ansiedade e loucura Ítalo disse:

  • Fique parado onde está, você não é bem vindo aqui!.

    O que aconteceu em seguida fez Ítalo se arrepender profundamente.

Um comentário:

  1. Seus textos estão cada vez melhores...
    Agoniada para ler a próxima parte do livro...

    ResponderExcluir