sábado, 20 de julho de 2013

Cão que ladra...


Me lembro que era Dezembro, meados da década de 1990,um típico domingo ensolarado , aqueles dias em que o sol aparece depois de um longo período de chuva. O céu estava de um azul claro e nítido, nenhuma nuvem a vista. Eu, um garoto na faixa dos 7 anos de idade, acabara de voltar da missa de domingo na igreja matriz. Na volta para casa, como sempre, era indispensável a passagem pela casa dos meus avós, que ficava no caminho, lá eu entrava, cumprimentava-os e ia ao encontro dos primos.  Mas nesse domingo, especificamente, houve um convite tentador que faria o sacrifício de  ter acordado cedo num domingo valer a pena.
Um tio decidiu nos levar para uma coisa inédita pra mim, até então, assistir a um salto de paraquedas. Eu fiquei estasiado com a ideia de ver um salto de perto, como eu havia visto só na TV, minha mãe não deve ter feito nenhum tipo de objeção e então fomos, meu tio, uns dois primos e eu.
Chegando a pista de decolagem do velho e maltratado campo de aviação da cidade, já pude ver ao longe uma pequena aeronave estacionada ao lado de uma casa na cabeceira da pista, era um simples monomotor, daqueles que fazem um barulho tremendo. Nos posicionamos na varanda da casa para ver o rápido show aéreo. Eu estava muito ansioso para ver aquele salto, lembro do paraquedista ter nos convidado para vê-lo saltar de dentro do teco-teco, não lembro se ele nos chamou por pura educação ou se realmente queria um bando de crianças num velho avião a alguns pés de altitude. Mas de, qualquer forma, nosso tio se fez pronto a recusar o convite e não chegamos nem perto da aeronave.
       Haviam algumas pessoas para verem a ação do paraquedista de perto, mas não chegava a ser uma multidão, estavam ali somente amigos dele, eu acho, e pessoas que como nós, ouviram falar do feito. Enfim chegou o momento, alguns homens empurraram o avião , que estava parado ao lado da casa para o meio da pista, exatamente a nossa frente. O motor do avião foi ligado,suas hélices giravam freneticamente  e consequentemente aquele som ensurdecedor tomava conta do ambiente, mas mesmo com todo esse barulho causado pelo monomotor um outro ruído, não menos espantoso nos pegou de surpresa. Ao lado da modesta casa onde nós nos posicionamos à varanda, havia um cão vira-latas que latia de uma forma descomunal. O dono da casa logo explicou o motivo da histeria. O cachorro havia passado a noite toda amarrado ao lado do avião e o estardalhaço causado pela  partida no motor assustou bastante o animal. Passado alguns minutos, deixamos de lado esse fato e nos concentramos na preparação do paraquedista, que entrou na aeronave, que fez o contorno na pista para levantar voo.
Chegou o momento, eu estava muito animado com tudo aquilo, mas de alguma forma a figura daquele cachorro latindo me deixou com uma certa apreensão. Foi quando  o que ninguém esperava aconteceu. O cachorro havia conseguido se soltar das correntes e avançou para pista numa corrida desesperada. Chamei a atenção do meu primo, mas ele já estava de olho em tudo que acontecia. Talvez por precaução o piloto não levantou voo, melhor teria sido se ele o tivesse feito depressa , pois o vira-latas se pôs a frente do avião tentando latir mais alto do que o barulho vindo daquele motor. Fiquei tentando imaginar o que aconteceria se o cachorro se metesse entre as hélices, mas não precisei usar muito a imaginação. Numa aproximação perigosa o pobre cãozinho encosta o seu focinho na hélice o que o deixou ainda mais atordoado. Sangrando e muito assustado ele se refugiou embaixo do avião, mas não parecia muito decidido a acabar com a sua investida. Eu, desesperado na minha calma olhava aquela cena ridiculamente assustadora como se estivesse em algum sonho louco, mas infelizmente era tudo real. O cachorro num pulo improvável, tentando, quem sabe, parar com tudo o que lhe assustara foi de encontro as afiadas hélices do monomotor  que o estraçalharam em tantos quantos pedaços se podia imaginar. Foi horrível, nunca iria imaginar que aquele pobre animal pudesse por fim em sua vida de uma forma tão brutal e sangrenta.
      Todos estávamos estarrecidos, o piloto desligou o motor do avião, um homem se prontificou em juntar os pedaços do cachorro com uma pá e colocá-los dentro de um saco. Eu e meus primos corremos em direção a uma parte do animal que caíra próximo da casa, era o seu coração que de uma forma triste e asquerosa dava suas ultimas pulsadas bem aos nossos pés, na nossa frente.
Depois disso tudo eu já havia me esquecido da finalidade daquele evento. O avião levantou voo, subiu algumas centenas de  pés, o paraquedista saltou e aterrizou perfeitamente, todos nós fomos embora para casa e o meu domingo, que começou azul e ensolarado se acabou de uma forma  melancólica e  impensável para mim, no alto dos meus 7 anos.
      Acho que essa foi a primeira vez que tive um contato tão estranho com a morte, mesmo sendo de um animal vira-latas e sem nenhuma importância para mim, talvez essa experiencia tenha me ajudado a compreender mais esse fato que é como diria Ariano Suassuna através de seu famoso personagem Chicó: “ o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre.”

sábado, 5 de janeiro de 2013

Volta ao início



A quanto tempo não te via... suas caras, seus cheiros, suas vielas e vias...
Cadê aquele bêbado que vi passar?
Cadê aquele senhor que não deu tempo de cumprimentar?

Olha isso ali! passamos e deixamos escrito o que ia vir!
Acertamos quase em cheio...
Antes de perder o rumo
Antes de perder os freios...

Acho que conheço essa pedra do calçamento
Como as pétalas da grade do seu portão
Como o certo a se fazer ou não...

Andando na conta-mão do anoitecer
Indo contra a cultura do "O que eu quero ser"

Entre o brega e o erudito
Entre o bonzinho e o malquisto
Voltamos ao início
Com poucos sonhos... com poucas vidas... com muitos vícios!